Alumbramentos #04
Prometeu, Zeus, Woody Allen, Lygia Fagundes Telles e quando tudo isso faz sentido.
Olá, seguimos firmes e fortes, dessa vez sobrevoando alguns mitos gregos, já que estamos vivenciando momentos do Olimpo ao mundo das trevas, todos os dias. Mas claro que cada fio de conversa, assim como o novelo de Teseu no labirinto do minotauro, passeia, passeia e nos traz de volta à tona. Boa leitura e que julho seja melhor do que junho. Já ajuda!
Mitos, comédias, dramas e tragédias, por Vicente Frare
Se tem um assunto que me fascina, são os mitos gregos. Mais do que as peças de Shakespeare, os mitos gregos parecem ter tratado – e exaurido – todos os assuntos possíveis e imagináveis da humanidade. Além do mais, servem de lição para a vida cotidiana. Claro que são histórias intrincadas, cheias de personagens, hora deuses, hora humanos, hora nem um nem outro. Mas e a vida? Não é uma sequência de acontecimentos que nos levam do paraíso ao inferno num piscar de olhos? Se tivéssemos na escola uma matéria única dedicada somente a estudar os mitos gregos, acredito que viveríamos melhor, ou, pelo menos, mais sabiamente. Basta escutar a história de Jasão, Orfeu ou Perseu para entender que: toda a jornada do herói é cheia de tribulações e a última é sempre a mais difícil, todo herói depois que sossega se enche de brio e passa a fazer besteiras, todo poderoso que desafia um herói acaba se arrependendo.
Apesar de todo o meu interesse por Cassandras, Antigonas, Édipos e Sísifos sempre soube muito pouco. Na sétima série do colegial tive um trabalho que consistia em explicar a simbologia de um dos mitos, o surgimento da primavera (Deméter e Perséfone), e não sabia o que era mito e o que era simbologia. Agora que resolvi ler um pouco mais, me dei conta de quão bem explicado pelos gregos está tudo, inclusive o lugar de cada constelação no céu. Estou escutando um audiolivro chamado "Heroes" narrado pelo ator inglês Stephen Fry, mestre dos mitos, e fico embasbacado com as histórias. Talvez o que mais tenha me marcado e que valha a pena dividir aqui é que, quando se lida com mitos, o resultado é quase sempre uma tragédia. O Brasil que o diga.
Mitos e escândalos, por Patricia Papp
É impressionante como os mitos gregos são cheios de barracos, intrigas, traições e bafos. O Narciso, por exemplo, se estivesse vivo hoje, seria um daqueles instagramers com milhares de seguidores que só posta selfies nas Maldivas. Urano tinha sérios problemas com a paternidade, Cronos foi babaca com os irmãos e o Rei Midas era o típico bilionário gananciosos que nunca está satisfeito com a quantidade de dinheiro que tem, sempre dá um jeitinho de ter mais, e no fim, é claro, se dá bem. Sem falar nos deuses, semi deuses e titãs que simplesmente ignoraram as instruções: Pandora não conseguiu se conter e abriu a caixa com os recebidos antes da hora causando o maior estrago e Orfeu perdeu Eurídice porque não resistiu a dar uma olhadinha pra trás na volta do reino dos mortos.
A situação mais revoltante é a da Medusa, que foi abusada por Poseidon e PUNIDA por Atenas pelo abuso!!! #aculpanãoédavítima #alôOlimpo
O Mito e Amor
Quando minha irmã tinha uns dez anos, meus pais foram viajar e deixaram ela comigo. Eu era bem mais velha e estava lendo o Banquete, de Platão. Na hora de dormir, ela pediu para eu ler para ela. Juntando o útil ao agradável, resolvi ler um dos discursos sobre o Amor narrados no livro. Segundo Aristófanes, havia inicialmente três gêneros de seres humanos, e eles eram duplos de si mesmos: havia o gênero masculino masculino, o feminino feminino e o masculino feminino, chamado de andrógino. Só que estes seres estavam ficando muito articulados e poderosos e os deuses ficaram preocupados. Para enfraquecê-los, Zeus ordenou que todos fossem divididos ao meio. A busca por sua outra metade, a procura por sua alma gêmea, isto é o amor, segundo Aristófanes. Assim, aqueles que foram um corte do andrógino, sejam homens ou mulheres, procuram o seu contrário (são heterossexuais). E aquelas que foram o corte da mulher, ou do homem, procurarão se unir ao seu igual (homossexuais). Quando encontram a parte que os complementa, os seres sentem as mais extraordinárias sensações e não querem mais se separar. Querem se "fundir" novamente num só.
O banquete foi escrito por volta de 380 A.C. Estamos em 2021 D.C.
Platão, Oscar Wilde e Woody Allen
Quem lê Platão para uma criança de dez anos? Não sei se minha irmã lembra do livro, mas acho que lembra da situação, ficar sozinha com os irmão é sempre divertido.
Lembro que minha amiga Marcela contou que quando ela tinha mais ou menos esta idade, a mãe dela leu O retrato de Dorian Gray (Oscar Wilde) para ela. Outra amiga, ficou traumatizada quando era criança e assistiu o primeiro filme do Woody Allen, onde uma mãe gigante ficava controlando todos os passos do filho em Nova York. Depois ela acabou virando fã do diretor. Recentemente passou a questionar sua admiração. Mas isto é outra história.
Receita infalível para tempos estranhos, por Fernanda Ávila
Nunca fui para a Grécia e entendo tanto de mitologia quanto de cinema iraniano. Ou seja, tenho algumas referências, ideia do que estão falando e zero aprofundamento. Mas tem um titã que habita o meu imaginário desde o colégio, o Prometeu. Nesse tempo sombrio, em que todos os dias acredito um pouquinho menos na humanidade, ele aparece como uma luzinha de esperança. O cara era brincalhão, zombou de Zeus, lutou pelo pelo conhecimento, resistiu à tortura e ainda deu a volta por cima. O mito de Prometeu representa uma vitória da cultura, da ciência e da liberdade contra a tirania.
Pensei nele ontem quando ouvia o podcast da 451 MHz sobre a Lygia Fagundes Telles. O episódio fecha com uma pergunta: no que você ainda tem esperança? É um concurso cultural. Quem tiver a resposta mais criativa ganha um kit com quatro livros da autora, que segue lúcida e tem hoje 98 anos.
Ela acredita no ser humano e se agarra - ou se agarrou enquanto pode - na vocação para contar histórias para enfrentar os momentos mais difíceis da sua vida. Se apegou à paixão pela escrita, pela imaginação, pela capacidade de criar. E antes que esse texto tome um rumo coach de felicidade, queria dizer que não tenho resposta criativa nenhuma para o concurso cultural. Adoraria fechar minha participação nesse #Alumbramento com uma receita infalível para tempos estranhos. Uma coisa meio mágica, tipo: faça yoga todas as manhãs, converse com as árvores, ouça música clássica, coma alimentos crus, leia autoras contemporâneas e durma cedo.
Não encontrei a fórmula, e duvido um pouco de quem tenha essa resposta, mas posso falar de um ingrediente que vai bem em qualquer que seja a mistura: amigos e amores. Passei 14 dias hibernando em mim mesma. Quieta, contando os dias em números e me alimentando da energia boa daqueles que esperaram comigo pelo fim do risco de complicações. Me aventurei num espaço sombrio da consciência, fiz um pequeno tour sem lanterna numas cavernas bem escuras por dentro de mim. Mas o tempo todo me segurei na corda que o pessoal que me ama ficou segurando do lado de fora, só esperando eu gritar pra puxar.
É pra vocês esse meu Alumbramento. Minha gente. Os meus. Vocês sabem quem são.
Usem máscara, tomem vacina, cuidem dos seus amores e não desistam de encontrar esperança na humanidade. Se a Lygia acredita, quem somos nós pra duvidar?
Pra fechar: assista aqui a entrevista da Lygia nos 10 anos do Roda Viva, da TV Cultura
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